sexta-feira, 9 de outubro de 2009

São Luiz Gonzaga e a mortificação dos olhos

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                         Luiz, o mártir da caridade

                                             ***

Os dois servidores obedientes

Os antepassados Luís sempre governaram e sempre se fizeram obedecer. Um mandara em soldados; outro dominara súditos; outro ainda governara religiosos.

Em sua casa e nas Côrtes, o herdeiro dos Gonzagas tivera às suas ordens criados e dependentes. O pai esperava fazer dêle um capitão ou um governador, enfim, sempre um dominador.

Vendo-o entrar na Companhia de Jesus, afligia-se pensando que o filho não mandaria mais em ninguém.

Mas estava enganado. Luís, entre todos os Gonzagas, seria o mais poderoso dominador, o dono mais obedecido da família. Sòmente, no lugar de dominar os outros, êle dominaria a si mesmo.

Parece fácil ser donos de nós mesmos, no entanto, é a coisa mais difícil.

Também êle teria súditos e dependentes, mas escolhidos entre os servidores que Deus pôs à disposição de cada um de nós.

Os seus não seriam os criados de libré ou escravos fardados, mas servidores naturais, criados expressamente para o serviço do homem.

Há, por exemplo, cinco fidelíssimos servidores que nos acompanham desde o nascimento sem nunca nos deixar. São os cinco sentidos. Todos conhecem os seus nomes: vista, ouvido, olfato, gôsto e tacto. Cinco criados nos quais muitas vêzes nos deixamos dominar.

A vista, por exemplo, tem ao seu serviço dois criados muito irrequietos: os olhos.

Quem é capaz de refreá-los? Quem consegue torná-los completamente obedientes? Êles vão e vêm a seu capricho; correm sem freio; são curiosos e vadios. Querem ver tudo, mesmo as coisas inúteis, mesma as coisas feias, mesma as coisas nocivas. E nós vamos atrás dêles. No lugar de guiá-los, deixamo-nos guiar, deixamo-nos distrair e alguma vez também arrastar.

Luís não; Luís, como verdadeiro dono de si mesmo e dos sentidos, antes de tudo, pôs os olhos sob regime de disciplina. Mandou que olhassem só o que êle queria ver. Como um príncipe poderoso, êle levava sempre consigo os dois criados prontos às suas ordens e fiéis no seu serviço.

No quarto êles deviam olhar para o Crucifixo e acompanhar as linhas da escritura. Chagando ao fim da linha, se tentassem escapar atrás do vôo de uma môsca ou encantar-se ante um objeto estranho, Luís colocava-os no sulco das palavras.

Não que êle se impedisse de olhar. Só que não permitia aos olhos se distraírem. Queria ser êle o guia dos olhos e não ser guiado por êles. Olhava para prestar atenção, nunca por curiosidade.

No refeitório, a incumbência só podia ser uma: a de olhar para a comida e vigiar o trabalho dos talheres.

Mas, os dois criados indiscretos teriam gostado poder dar uma espiada no prato do visinho. E Luís nunca consentiu nisso. Êles não deviam sair do limite do seu prato. Custou-lhe convencer os dois irrequietos servidores a não ultrapassar as bordas!

Corriam ràpidamente em volta procurando de vez em quando dar um pulo no prato do vizinho. Mas Luís os bloqueava em tempo, reconduzindo-os logo para seu ofício que consistia em guiar a faca e particularmente o garfo, uma novidade então para as mesas italianas.

Os dois criados teimosos se deslocariam também com muito prazer para as mesas, detendo-se com particular curiosidade nos lugares dos superiores, ver a cara do Padre Reitor mastigando com importância o guisado e a careta do Padre Mestre bebendo no seu copo!

Os olhos de Luís teriam ficado satisfeitos com uma olhadela de soslaio, mas o jovem dono continuava irredutível e os dois servidores tinham de se conformarem à vontade do severíssimo amo.

Um dia, Luís foi enviado a buscar um livro que o Reitor esquecera no seu lugar no refeitório. O jovem noviço ficou indeciso, depois, quase humilhado, teve que se informar onde é que o Reitor sentava à mesa.

Depois de tanto tempo ainda não tinha permitido que os olhos fizessem uma visita importuna ao Reitor na hora das refeições!

E na Igreja? Que gôzo para os dois criados traquinas vaguear pelas naves, esvoaçar pelo teto, trepar nos pilares, remexer nos altares.

Luís, pelo contrário, mantinha-os fixos sôbre uma só imagem (a que escolhia) ou em direção a de um só objeto (o que pretendia contemplar). Nunca permitiu que seus olhos vagueassem pela igreja como dois vadios.

Uma quinta-feira santa, a igreja estava enfeitada de luto e aos pés de um altar, cheio de verde e de luzes, via-se aquela especial ornamentação que impròpriamente se chama Sepulcro. Trata-se, entretanto, de um enfeite em honra de Jesus Eucarístico, que lá se guarda para consumição da sexta-feira santa.

O povo apinhava-se nas visitas das sete igrejas, e o sacristão atarefado pediu a Luís que prestasse atenção ás luzes.

Luís, portanto, mandou aos dois servidores que olhassem para a chama dos lírios a fim de que não se apagassem ou não ateassem fogo nas cortinas.

Acabado o serviço, Luís reentrou em casa. Os companheiros lhe perguntaram se havia gostado de enfeite da igreja. Ficou confuso. Não soube responder. Teve que confessar que não vira nada. Ficara lá prestando atenção às luzes, e seus olhos estiveram ocupados com as chamazinhas sem se importar com o conjunto do enfeite.

Quando os nocivos saíam para o passeio, os olhos de Luís tinham um relance de impaciência. Que corridas loucas poderiam fazer pelas ruas da cidade, que fugas e pinotes pelos campos! Pareciam dois perdigueiros rabeando jubilosos ao ver o caçador abrir a porta da casa.

Mas como o caçador, logo no limiar da casa, coloca a trela aos cães e não os solta senão no lugar da caça, assim Luís acorrentava os dois olhos.

Êles apenas haviam de apontar a prêsa. Fixar um ponto do céu, um campanário no horizonte, mais freqüentemente as pedras do caminho, mas fugas e inúteis vaivéns, nunca!

Geralmente, a meta daqueles passeios era uma vinha estendida sôbre um morro. Luís a fêz visitar pelos seus dois criados a primeira vez que estêve lá. Depois basta. Tinha-os ocupados em outras visões.

Um dia, os superiores mudaram o itinerário do passeio e levaram os noviços para uma outra vinha. De volta perguntaram a Luís de que vinha gostou mais.

Pela terceira vez teve de confessar que não reparara mudança do caminho e a visita de outra vinha.

Mas então andava bem distraído aquêle noviço! Não, era exatamente o contrário. Dono absoluto dos seus olhos, nunca ia atrás dêles. Conseguiu que aquêles dois servidores quase indomáveis lhe obedecessem e nisso demonstrou ser o mais forte de todos os Gonzagas.

Os seus antepassados mandaram, sim, em exércitos, povos e mosteiros, mas depois não lograram obediência daqueles dois criados impertinentes.

Sòmente Luís conseguiu dominá-los e fazer dêles o que queria. E êles lhe obedeceram como nenhum súdito nunca obedecera aos príncipes de Mântua, como nenhum servo nunca obedecera aos marqueses de Castiglione, como soldado nenhum nunca obedecera aos Grandes almirantes da armada cristã.

***

Fonte:
Livro: O Lírio de Gonzaga
Autor: Piero Bargellini
Edições Paulinas
Páginas: 69 - 76

3 comentários:

Anônimo disse...

"Oh! Se os homens soubessem de quantos bens de luz divina os priva esta cegueira causada pelos apegos e afeições desregradas, e em quantos males e danos fazem cair cada dia por não se quererem mortificar!" (São João da Cruz I, Subida do Monte Carmelo 8,6)

Rumi disse...

Nossa!!!!!Belíssimo!

Anônimo disse...

Esse é meu Luís, meus amados.
Quem o tem como santo de devoção, só tem benefícios a receber.
Amo-o muito!